Por Kiara Terra
Fui convidada a contar uma história e fazer uma oficina na exposição Joseph Beuys - A revolução somos nós para pais e filhos. Com esse convite vinha com uma pergunta: como trazer o universo de Beuys para as crianças?
Estivemos (eu e a pergunta) quietas por um bom tempo. Até o dia do encontro com Antonio d’Avossa, curador da exposição. Era uma tarde de conversa/aula, um encontro com Beuys pelos olhos dele. E havia frescor e inquietude. Os olhos do curador brilhavam. Ele falava de Beuys como um menino; se divertia e parecia encantado com as ações do artista. Essa tarde derreteu um pouco o que eu achava que sabia e revelou outra pergunta: será que as crianças alcançam as questões trazidas por Beuys?
No sábado passado, tivemos a primeira História aberta – uma narrativa colaborativa sobre Beuys. Foi ali que percebi que a profundidade poderia ser vivida em mergulhos e também na possibilidade de flutuar sobre. E que sim: as crianças alcançariam as questões trazidas por Beuys como alcançam o calor das mãos de seus pais quando atravessam uma rua movimentada.
As crianças percebem com o corpo todo. Estão prontas para estabelecer conexões. Não há o que alcançar; as perguntas de Beuys estão dentro delas, como sementes e pequenos brotos. Prontos para serem acolhidos, plantados em terra boa.
Na história pergunto: “O que é a guerra?”. “Muita gente morta”, diz a menina. “Muita gente morta é cemitério”, diz um menino. Guerra é o que vem antes de um grande cemitério, digo. “É quando os adultos não conseguem mais conversar e começam a se machucar de verdade.” “Beuys apertou o botão do avião? Disparou? Matou alguém?”, pergunta o menino. “Ah! Mesmo sem ele disparar ele estava na guerra e não devia se sentir bem com isso”, diz outra criança. Lá estava o impulso reparador, o desejo de cura e uma importante lacuna presente em Beuys, trazida assim pelas crianças.
A tarde que me remeteu à ideia de escultura social de Beuys. A colheita de ideias, o acolhimento e a delicada tarefa de oferecer um norte para a narrativa aberta que compartilhávamos. Havia frescor e inquietude pois isso é próprio das crianças e de Beuys. E houve um presente. Perguntei o que é escultura e Arthur, de 10 anos, prontamente respondeu: “É quando um pensamento ganha corpo”.
Kiara Terra é atriz e contadora de histórias. A atividade Era 1, 2, 3 vezes Beuys!, que integra a curadoria educativa da exposição Joseph Beuys - A revolução somos nós, teve a participação de 62 crianças e adultos. Ela volta a acontecer nos dias 23 de outubro e 6 de novembro, às 14h, no SESC Pompeia. Para saber mais sobre a exosição e as ações educativas, visite http://sescsp.org.br/beuys.